sábado, 30 de janeiro de 2016

Monotrilho: símbolo de atrasos e opções controversas em São Paulo

Como a espinha dorsal de um bicho descomunal, os 7,7 km do monotrilho da Linha 17-Ouro estendem-se da Marginal Pinheiros às imediações do Aeroporto de Congonhas e, intrometidos na paisagem urbana, servem como uma espécie de lembrete dos sucessivos atrasos e opções controversas adotadas pelas políticas de transporte público de diferentes gestões tucanas no Estado de São Paulo.



Obra no monotrilho na zona sul de São Paulo. André de Oliveira

"Transporte público nunca foi prioridade e isso não é apenas em São Paulo, mas em todo Brasil. Havia uma previsão, entre 1966 e 1967, quando o metrô foi projetado, que São Paulo teria 200 km de trilhos em 20 anos."
Por um lado, a construção, fora do cronograma, teve nas últimas semanas a suspensão de toda sua extensão anunciada. Por outro, é alvo de críticas desde que foi divulgada em setembro de 2010 como uma alternativa inovadora que combinaria menor custo e tempo de execução em relação ao metrô subterrâneo. Com um gasto inicial calculado em 3,9 bilhões de reais e previsão de entrega bem otimista para 2012, o monotrilho da Linha 17-Ouro ainda não teve nenhum dos seus 17,6 km inaugurado e os gastos até aqui já saltaram para 5,5 bilhões de reais.
Em dezembro, a gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou no Diário Oficial a suspensão por um ano do início das obras em dois trechos da linha, responsáveis pela ligação com a estação Jabaquara, da Linha 1-Azul, e a futura São Paulo-Morumbi, da Linha 4-Amarela. A previsão de entrega agora é de 30 meses após a retomada dos trabalhos. Agora, segundo noticiou o jornal Valor Econômico, tudo, inclusive os 7,7km que estavam em construção até semana passada, estão parados em decorrência de rompimento de contrato entre o Metrô de São Paulo e as empreiteiras Andrade Gutierrez e CR Almeida. A última estimativa é que esse trecho ficaria pronto até 2017. Em janeiro, o Governo também suspendeu as obras de extensão da Linha 2-Verde, que irá até a cidade vizinha Guarulhos. Ao lado das duas, todas as outras linhas e projetos também estão fora do cronograma anunciado inicialmente – as razões misturam explicações técnicas e financeiras. Entre elas, o Palácio dos Bandeirantes arrola a crise econômica.
Hoje, quem passa nas imediações da Avenida Washington Luiz, trecho em que a linha fará conexão com o Aeroporto de Congonhas, encontra um cenário que combina terrenos desocupados, restos de demolição, lixo, pichações e a completa falta de atividade obreira. “O monotrilho não é um caso isolado, as outras linhas de metrô em construção estão atrasadas, mas eu concordo que ele simboliza uma falta de capacidade em implantar transporte coletivo. O erro, a meu ver, foi acreditar que uma nova tecnologia pudesse resolver nossos problemas”, comenta Marcos Kiyoto, urbanista e especialista em mobilidade.




ANDAMENTO DAS OBRAS


Linha 2 - Verde:
- Expansão de trecho que vai da Vila Prudente até Guarulhos.
- Sem previsão para ser entregue.
Linha 4-Amarela
:
- Conclusão do projeto inicial com entrega de 4 estações.
- Higienópolis-Mackenzie, Oscar Freire e São Paulo-Morumbi tem previsão para 2017. Vila Sônia para 2019.
Linha 5-Lilás- Expansão de trecho que vai do Largo Treze à Chácara Klabin.
- Previsão de entrega é em 2019.
Linha 6-Laranja- Entrega de nova linha
- Previsão estimada em 2020
Linha 15-Prata- Conclusão do projeto inicial com entrega de 15 estações
Estações até São Mateus devem ser entregues até 2018, restante não tem data
Linha 17-Ouro
Entrega de nova linha
- Previsão é inaugurar trecho de 7,7km em 2017, restante não tem nada
Linha 18-Bronze- Entrega de nova linha
- Sem previsão

Para Kiyoto, o problema de São Paulo não é de tecnologia. “Nossos sistema é muito bom, o problema é que temos poucas linhas, a questão é política, de priorização financeira”, diz. Pelo metrô, passam diariamente cerca de 47,7 milhões de pessoas, o ritmo de expansão desde 1995, contudo, é de apenas 2 km de novas linhas por ano, como apontou levantamento divulgado no ano passado pela Folha de S. Paulo. Segundo o jornal, no ritmo atual a cidade demoraria mais de 120 anos para ter uma malha similar a de Seul, capital sul-coreana, que iniciou as obras de sua malha no mesmo ano que São Paulo e hoje conta com 326,5 km.
Professora aposentada e livre-docente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Klara Kaiser, que trabalhou no Metrô durante 15 anos no início da década de 1990, concorda com Kiyoto. “A questão é que transporte público nunca foi prioridade e isso não é apenas em São Paulo, mas em todo Brasil. Havia uma previsão, entre 1966 e 1967, quando o metrô foi projetado, que São Paulo teria 200 km de trilhos em 20 anos, mas ainda não passamos dos 78 km”, comenta Kaiser. Para ela, o monotrilho representa bem as confusões que trouxeram a cidade até esse cenário. “Na minha experiência no Metrô, aprendi que quanto menos variação de tecnologia entre as linhas, melhor e mais eficaz será o sistema, porque os processos de construção e reposição ganham eficiência quando não temos uma variação grande de tipos de transporte”, diz.

"(O monotrilh0) simboliza uma falta de capacidade em implantar transporte coletivo. O erro, a meu ver, foi acreditar que uma nova tecnologia pudesse resolver nossos problemas."
Em um artigo divulgado pela Associação Nacional de Transportes Públicos, em dezembro de 2014, o urbanista Moreno Zaidan Garcia apontou uma série de questões na opção pelo monotrilho. A falta de experiências similares no mundo; o fato de que as linhas devem seguir o traçado de grandes avenidas e não podem cortar caminhos em uma cidade geograficamente variada como São Paulo; o tempo de execução das obras subdimensionado; e a lotação do sistema que já começaria com sua máxima capacidade são alguns dos pontos levantados por Zaidan.
“Seja o sistema que for, é normal que obras desse tipo demorem muito para serem entregues, existem milhares de contratempos em um trabalho dessa dimensão, o problema é a opção por uma novidade que já foi pensada para trabalhar no limite da capacidade”, diz o urbanista. Para chegar ao número de passageiros hora que serão transportados, o sistema já começará operando no limite de 6 pessoas por m² dentro dos vagões. “Claro, eu não estou falando de um problema exclusivo do Governo do Estado, é um problema brasileiro. Agora, uma suposição para a opção pelo monotrilho é que talvez ele tenha parecido atraente porque, ao contrário de obras de metrô subterrâneo, ele foi vendido como algo que poderia ser inaugurado dentro de uma mesma gestão”.
A situação da malha estadual de transporte público na capital volta ao foco no momento em que ressurgem os protestos pela alta das passagens e o debate sobre a qualidade do sistema da cidade, mirando tanto o Governador tucano quanto o prefeito petista Fernando Haddad. Para Klara Kaiser, os problemas do sistema de metrô e trens, de responsabilidade estadual, e as falhas nos ônibus, encargo municipal, estão interligados. Ela vê na superlotação dos ônibus uma consequência da baixa quilometragem de trilhos em São Paulo. “O que se faz em matéria de ônibus aqui é praticamente um milagre. Nunca um modo de transporte coletivo de menor capacidade foi tão exigido. As melhorias, como corredores de ônibus e mais conforto, devem ser entregues, mas não dá para jogar em cima desse tipo de transporte o volume de deslocamentos diários longuíssimos que só uma rede de metrô pode articular”

Fonte: ElPais - Janeiro de 2016.

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