quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Tendências na Manufatura - 2023/2024


O setor manufatureiro não é tão proeminente aos olhos do público quanto setores como turismo e hotelaria por exemplo. No entanto, a pandemia global fez esses dois setores "Turismo e Hotelaria" sofrerem interrupções mais severas em mais de uma década. Felizmente, uma forte recuperação está em andamento — dados da Organização de Desenvolvimento Industrial da ONU indicaram uma taxa de crescimento global de 18,2% em 2022.

Já em outros setores, na medida que a indústria se recupera, a resiliência é o tema principal, dando origem às tendências que estão alterando o cenário global da manufatura.

Na verdade, uma pesquisa com mais de 200 tomadores de decisão de C-level em empresas globais de manufatura constatou que 68% listaram a resiliência e a agilidade aprimoradas como uma das principais prioridades de negócios nos próximos anos.

Foram reunidos aqui, insights sobre as maiores tendências que moldam o futuro da manufatura.

1. As fábricas inteligentes estão mudando a forma como fazemos as coisas

O conceito de “fábrica inteligente” ou “indústria inteligente” existe há muito tempo. Mas testemunhou um aumento no interesse nos últimos anos.

As pesquisas por "fábrica inteligente" aumentaram mais de 120% na última década, vide gráfico a seguir.


Fábricas inteligentes fazem parte do movimento mais amplo da “Indústria 4.0” que está transformando operações e chão de fábrica em ambientes de produção na Europa, América do Norte e China.

Importante frisar que a primeira e a segunda revoluções industriais foram associadas à mecanização movida a vapor e ao surgimento das linhas de montagem. Na terceira revolução observou-se a adoção da informática e computadores na manufatura.

A quarta geração da revolução na Indústria 4.0 continua a impulsionar a automação, empregando tecnologias como IIoT (internet industrial das coisas), big data, aprendizado de máquina, inteligência artificial (IA) e análises avançadas de dados para tomadas de decisão mais acertivas.

Na indústria automotiva, por exemplo, estima-se que as fábricas inteligentes possam gerar US$ 160 bilhões em valor em 2023, de acordo com a Capgemini. Aqui vai um resumo da matéria.


O relatório da Capgemini, Automotive Smart Factories: How Auto Manufacturers can Benefit from the Digital Industrial Revolution, foi produzido por seu think tank Digital Transformation Institute.

Ele prevê que o crescimento médio da produtividade das fábricas inteligentes dentro do setor automotivo será de 7% em 2023. Até o final de 2022, os fabricantes automotivos esperam que 24% de suas fábricas sejam instalações inteligentes, acrescenta o relatório.

“A indústria automobilística percebeu o potencial significativo das fábricas inteligentes e tem uma vantagem inicial sobre outros setores em termos de adoção”, continua. “Quase metade (49%) das organizações automotivas investiram US$ 250 milhões ou mais em iniciativas de fábricas inteligentes nos últimos cinco anos.”

A Capgemini entrevistou 326 executivos seniores do setor automotivo entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2018. Os entrevistados foram selecionados a partir do nível de diretoria ou superior e intimamente associados aos planos de fábrica inteligente de suas organizações. A pesquisa abrangeu executivos de oito países: China, França, Alemanha, Índia, Itália, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.


Representação de uma fábrica automotiva inteligente

Na verdade, os fabricantes automotivos previam que cerca de um quarto de suas fábricas serão fábricas inteligentes até o início de 2023. A internet industrial das coisas (IIoT) é um componente importante da Indústria 4.0. A IIoT usa sensores e maquinário conectados para criar uma imagem de dados completa de todo o processo de fabricação, para melhorar a tomada de decisões.

No início de 2020, apenas cerca de 10% das empresas de manufatura haviam implementado IIoT. Espera-se que esse número aumente drasticamente para 50% até 2025, com parte do mercado já valendo mais de US$ 200 bilhões.

As pesquisas por "IIoT" aumentaram 1.900% nos últimos 10 anos, vide gráfico a seguir.


Com o aumento de dispositivos conectados, haverá uma explosão na quantidade de dados gerados pelas empresas. As empresas com configurações avançadas de IIoT já descobriram que uma única linha de montagem pode gerar até 70 terabytes de dados por dia, de acordo com esse White paper da IBM. A necessidade de transmitir grandes volumes de dados também estão alimentando o crescimento explosivo do 5G.

As pesquisas por "5G" cresceram mais de 1.300% nos últimos 5 anos, vide gráfico a seguir.


Com velocidades significativamente mais rápidas do que Wi-Fi ou 4G (até 10 Gbps), latência quase zero e conectividade sem fio, o 5G traz um grau de flexibilidade sem precedentes para ambientes de fabricação de alta velocidade, com o potencial de conectar praticamente qualquer sensor ou dispositivo, vide esse white paper da PWC.

No Brasil o projeto do 5G está em andamento, onde as capitais ganharam a liberação do sinal, e agora algumas cidades fora as capitais, começam a ter o sinal sendo disponibilizado, porém, não temos a disponibilidade de equipamentos e dispositivos em escala ainda para consumir o 5G, a não ser smartphones. Isso mostra novamente o quanto estamos atrasados no tema, perante outros países.

Uma previsão recente da Mckinsey projeta um mínimo de 22 milhões de unidades 5G no setor manufatureiro até 2030.

E outro estudo da Capgemini aponta a agregação de valor do 5G para empresas de manufatura em US$ 605 bilhões em receita desbloqueada.

Espera-se que o setor manufatureiro exija mais dispositivos 5G IoT do que qualquer outro setor.

A Audi é um exemplo de uma das primeiras a adotar o 5G, tendo contratado a Ericsson para implementar automação avançada alimentada por 5G em seus laboratórios de produção.

No Brasil algumas iniciativas estão em desenvolvimento, por empresas como por exemplo a Intelbras e Weg.

2. Inteligência Artificial, aprendizado de máquina e análises de dados avançadas impulsionam a eficiência

De acordo com um estudo da IBM, uma plataforma de petróleo típica possui mais de 80.000 sensores, fornecendo dados sobre tudo, desde parâmetros de processo (temperaturas, pressões e taxas de fluxo, por exemplo) até o status de máquinas e equipamentos. Isso permite monitoramento remoto e fabricação focada, ambos alimentados por dados.

No entanto, esses muitos sensores produzem, em média, cerca de dois terabytes de dados por dia – muito além do escopo do que pode ser efetivamente analisado com métodos convencionais de análise de dados. Isso explica em parte o surgimento de métodos avançados de análise alimentados por IA e aprendizado de máquina (Machine Learning).

As pesquisas por "Machine Learning - Aprendizado de máquina" aumentaram 988% na última década, vide gráfico a seguir:


As projeções anteriores previam um aumento de 8 vezes no investimento em IA na fabricação nos 5 anos anteriores a 2021 e um aumento de 3 vezes em TI avançada, como computação em nuvem e análise de dados.

No início de 2020, quase um quarto das empresas de manufatura de primeira linha haviam adotado soluções baseadas em IA e, em 2021, esse número aumentou drasticamente para 76%.

A adoção da IA nas operações diárias de fabricação é especialmente alta na Europa, com 80% e 79% dos fabricantes seguindo esse caminho na Itália e na Alemanha, respectivamente.

O uso de IA por fabricantes em diferentes países

Outras economias manufatureiras avançadas, como EUA, Japão e Coréia, ficam para trás em 64%, 50% e 39%, respectivamente. Até agora, a implantação mais ampla ocorreu nos setores automotivo, de maquinário pesado, eletrônico, químico e de metais.

Nessas indústrias, a tomada de decisão baseada em IA está sendo usada para tudo, desde inspeção de qualidade até gerenciamento da cadeia de suprimentos, verificações de linha de produção e gerenciamento de estoque.

E não é de se admirar que esses setores estejam correndo para implementar a IA em seus processos de fabricação. Um relatório de 2021 da Harvard Business Review estima que o valor total criado pela IA esteja próximo de US$ 13 trilhões. Cito algumas outras fontes também no meu livro, quando abordo o tema das tecnologias emergentes, em diversas outras esferas de agregação de valor.

A adoção de aprendizado de máquina e análise avançada (definida como o exame autônomo ou semi-autônomo de dados por meio de métodos além da inteligência de negócios tradicional) está em níveis ainda mais altos do que a IA, com dois terços das empresas de manufatura atribuindo economia ou geração de receita significativa a essas tecnologias.

As pesquisas por "AI Analytics" aumentaram 1.875% desde 2013, vide gráfico a seguir:


Até 2026, o mercado de análise de manufatura está projetado para valer US$ 28,4 bilhões, significativamente acima de seu valor atual de US$ 8,45 bilhões.

3. Manutenção preditiva e tecnologia digital twin na redução de erros

Na fabricação, falhas de equipamentos podem ser extremamente caras, estressantes e geram ineficiências na produtividade, principalmente para a realidade da indústria brasileira, onde o parque de máquinas onde a idade média é de cerca de 23 anos.

Só pra termos como exemplo de um equipamento bastante familiar, e imagino que todos conheçam, uma falha de compressor de ar em uma usina de petróleo pode custar entre US$ 1 e US$ 2 milhões por dia, enquanto estudos mostram que paralisações não planejadas custam aos fabricantes anualmente cerca de US$ 50 bilhões/ano, de acordo com esse estudo "By industryWeek in Collaboration with emerson".

A IIoT combinada com a análise de big data (análise de grandes quantidade de dados) possibilita o uso de algoritmos sofisticados para prever tais falhas com grande precisão — antes que elas realmente ocorram.

Na Gholias Tech, estamos desenvolvendo uma solução com base em Machine Learning utilizando IIoT para monitoramento e analise de vibração, que será lançada até o primeiro semestre de 2023.

O interesse de pesquisa em "Manutenção preditiva" cresceu 400% nos últimos 10 anos, vide gráfico a seguir:


Os dados indicam que a manutenção preditiva pode reduzir o tempo de inatividade em cerca de 30% a 50%; aumentar a vida útil da máquina em 20% a 40%; e reduzir os custos em mais de 30%. As pressões de paralisações nas fabricas durante o COVID apenas aceleraram a implementação, com 35% dos fabricantes de grande escala nos EUA já empregando técnicas de manutenção preditiva.

A Airbus foi uma das primeiras a adotar, ajudando seus clientes de companhias aéreas na implementação de técnicas preditivas avançadas.

Em 2021, a Airbus fez parceria com a GE para implantar um sofisticado software de manutenção preditiva baseado em IA e ML para antecipar falhas de peças em aeronaves e realizar reparos e substituições oportunas para melhorar a segurança e a lucratividade.

O mercado de soluções de manutenção preditiva foi avaliado em US$ 3,8 bilhões no final de 2020 e deve crescer para US$ 13,9 bilhões até 2026, vide esse estudo da globenewswire.

O crescimento de IIoT, AI e ML preparou o terreno para outra subtendência importante da evolução da fábrica inteligente, o famoso Digital Twin, ou para simples tradução ao português - gêmeo digital, como mostra esse White paper da YE.

Assim como a indústria do entretenimento faz uso de modelos virtuais em vez de personagens, adereços ou cenários reais, em filmes de animação, a geminação digital permite que a indústria manufatureira use uma representação virtual de um objeto para melhorar a tomada de decisões por meio de simulações baseadas em dados.

As pesquisas por "Digital Twin" aumentaram 280% nos últimos 5 anos, vide gráfico a seguir:


No contexto das "fábricas inteligentes", um "gêmeo digital" pode ser um único componente (como um pneu de carro) ou um produto (como um carro inteiro, com todos os seus subsistemas, incluindo software e milhares de componentes).

Pode até ser todo um processo de fabricação em si (como uma fábrica com várias estações de trabalho, linhas de montagem e estoques de peças e componentes).

As aplicações dos gêmeos digitais vão desde prever a vida útil de um produto com base em um projeto (como a GE fez com motores a jato de aeronaves, até gerenciar fábricas inteiras e otimizar suas operações por meio de simulações e análises.

As previsões previam que quase metade de todas as grandes empresas industriais teriam implementado gêmeos digitais em alguma escala até o final de 2021. E espera-se que as empresas economizem até US$ 1 trilhão com o uso de gêmeos digitais.

4. A reestruturação da cadeia de suprimentos está mudando onde os produtos são fabricados

A mesma necessidade de resiliência que está estimulando o fenômeno da Indústria 4.0 também está gerando mudanças dramáticas no escoramento e no fornecimento, especialmente na América do Norte e na Europa.

Embora a globalização e a busca incansável por maior eficiência de custo tenham impulsionado os movimentos de offshoring e a cadeia de suprimentos enxuta por várias décadas, vários fatores agora estão balançando esse pêndulo na direção oposta – as interrupções devido ao Covid-19 não são o menor deles. A tendência de reshoring começou em 2010, mas voltou a crescer.

Interesse de pesquisa em "Reshoring" nos últimos 15 anos, vide gráfico a seguir.


Além dos choques na cadeia de suprimentos induzidos pela pandemia, a tendência de reshoring também foi reforçada pelo aumento dos custos trabalhistas em países offshoring, aumento dos custos de remessa e crescentes pressões sociais e regulatórias relacionadas ao fornecimento e formas de logísticas mais sustentáveis - PRESSÃO DO ESG, e todas essas forças alteraram significativamente o cenário de abastecimento.

Em um estudo surpreendente, a KPMG revelou que o Canadá realmente oferece um dos custos mais baixos de operações de fabricação do mundo, bem à frente dos suspeitos de sempre, como China, Índia e México. De acordo com o IMD WORLD COMPETITIVENESS BOOKLET 2022 o Canada aparece no Ranking do Competitiveness Trends Performance na posição 14º em 2022, vide gráfico a seguir:


Já no perfil geral dos Países, a seguir as posições do Canada em todos os indicadores.


Em 2021, 83% das empresas de manufatura nos EUA confirmaram que fariam reshoring, contra apenas 54% em 2020. O impacto econômico do reshoring é estimado em US$ 443 bilhões só nos EUA.

As mudanças estratégicas no gerenciamento da cadeia de suprimentos não se limitam à localização da fábrica. Eles também incluem novas estratégias quando se trata de onde as matérias-primas e os componentes são adquiridos – descritos de várias maneiras como quase-sourcing, multi-sourcing, sourcing local e “China, mais um”.

Parte da razão para isso foi o excesso de confiança (especialmente na fabricação automotiva) no gerenciamento de estoque “just-in-time” ou – dependendo de quem você perguntar – um completo mal-entendido dos princípios da manufatura enxuta.

Just-in-time é uma filosofia de gerenciamento de estoque focada em garantir que as peças estejam disponíveis onde são necessárias em uma linha de fabricação, no momento certo e não antes. A intenção é reduzir o desperdício, evitando altos custos de manutenção de estoque.

Bem, seja por projeto ou por má aplicação, no final, as práticas de abastecimento pré-Covid acabaram mergulhando mais de 169 indústrias em uma escassez global de chips de computador, que deve durar pelo menos até o final de 2023.

Como resultado, os dados agora indicam que 50% dos fabricantes estão procurando fornecedores alternativos e de backup, e espera-se que até 25% dos bens manufaturados sejam realocados ou movidos globalmente, avaliados em US$ 4,5 trilhões.

Diferente da Indústria 4.0, na Indústria 5.0 (The Next Wave) é justamente isso, ela prega por uma cadeia de suprimentos distribuída e responsiva, tema no qual abordo em outro artigo, que você pode ler aqui.

5. As microfábricas surgem à medida que o comércio evolui

Os efeitos generalizados da pandemia global também começaram a afetar a maneira como os fabricantes fabricam os bens e produtos que fabricam.

Essa mudança de pensamento levou ao crescimento da microfábrica – que nada mais são que configurações pequenas e altamente modulares que usam tecnologia de ponta, como inteligência artificial, robótica e big data, para permitir a fabricação hiperautônoma.

Esse é um outro sinal da próxima onda da indústria da qual abordo sobre no artigo Indústria 5.0, que traz a Personalização em Massa.

A tendência da microfábrica é um amálgama (mistura, mescla ou combinação) perfeita das duas megatendências (fábricas inteligentes e reestruturação da cadeia de suprimentos) e todas as tendências mencionadas aqui neste artigo.

A busca pela resiliência faz com que os fabricantes tentem melhorar sua flexibilidade para acomodar pequenas execuções de peças e mudar rapidamente as linhas de produção para montar novos modelos. A isso podemos trazer o conceito de ser Ágil, uma das qualidades dos negócios nesta década, onde os vencedores são os "Ágeis", e não os maiores e mais fortes.

Em 2020, uma startup de fabricação de veículos elétricos chamada Arrival causou uma sensação inusitada quando assinou um contrato de US$ 110 milhões com a Hyundai e conseguiu um pedido de 10.000 vans elétricas da UPS.

A Arrival está construindo suas vans em microfábricas, que são apenas uma fração do tamanho (e custo) das fábricas tradicionais.

A Startup Microfábrica, chegou a anunciar que construirá mais de 1.000 microfábricas em todo o mundo até 2026. Ao aproveitar o poder do IIOT, da robótica e da automação avançada por meio da IA, além de permitir que o ponto de produção seja movido para mais perto do ponto de venda, as microfábricas reduzem o tempo de lançamento no mercado, reduzem as ineficiências e permitem agilidade para mudança de produção funciona como nunca antes. Outro indicador da próxima onda da indústria 5.0. Sinais do futuro acontecendo hoje, agora.

6. Fabricantes aumentam salários e requalificam trabalhadores para combater a escassez de Mão de obra

Outro ponto de atenção, "Desafios da força de trabalho nesta década". Tenho visitado diversas indústrias aqui no BRL, em diversos estados, e todas sem exceção tem reportado a falta de mão de obra. Bem, isso não parece ser peculiar aqui no BRL, mas é um problema global. A seguir, serão apresentados alguns indicadores para que se tenha uma idéia de grandeza desses desafios.


O volume de pesquisas por “escassez de mão de obra” disparou em 2021, porém nos últimos 10 anos aumentou cerca de 800%, vide gráfico a seguir.


Em um estudo recente da Deloitte, estimou-se que o setor manufatureiro careceria de 2,1 milhões de trabalhadores qualificados até 2030. A pesquisa mostrou que 38% dos executivos dizem que o recrutamento de novos trabalhadores é a principal prioridade para sua força de trabalho de produção em 2022.

Não é um trabalho fácil – os fabricantes dizem que encontrar talentos é 36% mais difícil do que em 2018.

Uma pesquisa de agosto de 2022 da Associação Nacional Americana de Fabricantes relatou que o recrutamento era o maior problema para 76% dos fabricantes pesquisados. Aumentar os salários é uma das maneiras pelas quais os fabricantes procuram atrair talentos. Quase três quartos dos fabricantes disseram que aumentariam os salários em mais de 3%, em média, em 2022.

Isso se soma aos aumentos feitos em 2021, quando os salários para novas contratações tiveram um crescimento de 6,8% e a indústria em geral aumentou os salários em 3,2% (US).

Os salários no setor manufatureiro cresceram modestamente em 2021 e aumentos adicionais são esperados. Os fabricantes também estão empenhados em reter e requalificar sua força de trabalho atual. Na pesquisa da Deloitte, 31% dos entrevistados disseram que a retenção de funcionários era uma prioridade e 13% disseram que estão focados na requalificação.

O volume de pesquisa para “requalificação” aumentou nos últimos 10 anos, vide gráfico a seguir:


O Manufacturing Institute Americano relata que os jovens funcionários são especialmente atraídos por empregadores que estão dispostos a treiná-los e investir no desenvolvimento de suas habilidades. Quase 70% dos funcionários de manufatura com menos de 25 anos disseram que continuam com seus empregadores porque oferecem esses tipos de oportunidades.

À medida que o uso de recursos de IA e robótica aumenta, o conjunto de habilidades dos funcionários de manufatura precisará mudar. Eis aqui outro grande fator de desafio, principalmente para economias emergentes, como no BRL, principalmente quando observado o ranking do PISA, onde o Brasil está nas últimas posições. É preocupante, pois isso mostra o déficit do ensino, da educação que precisa mais do que urgência para se modernizar.

A McKinsey prevê que a demanda por habilidades físicas e manuais em tarefas repetíveis cairá 30% na próxima década.

Ao mesmo tempo, a demanda por habilidades tecnológicas aumentará mais de 50%, e a demanda por liderança e habilidades sociais/emocionais de alto nível deverá aumentar 30%. NO BRL já temos hoje cerca de 400 mil vagas em abertas em TI. Nos EUA são mais de 1.6 milhão de vagas em aberto na área de tecnologia.

Para orientar as organizações na requalificação de sua força de trabalho, a Americana MxD (Manufacturing x Digital) publicou um guia de contratação que orienta as empresas no processo de qualificação de 247 cargos, muitos dos quais em segurança cibernética.

Em outro exemplo, o Institute for Advanced Composites Manufacturing Innovation (IACMI) também Americano, lançou o programa ACE: America's Cutting Edge. O IACMI fez parceria com o DoD e o Office of Industrial Policy para oferecer o programa ACE. É um programa que utiliza treinamento virtual e simulações para ensinar aos mecânicos estabelecidos as habilidades necessárias para a usinagem CNC, e o melhor de tudo é que o treinamento é gratuito. O Brasil deveria usar esse tipo de benchmarking o mais rápido possível, pensando na melhora da performance, dentre outros pontos.

7. Iniciativas da DEI visam recrutar mulheres e minorias

Os fabricantes Americanos também estão priorizando as iniciativas da DEI no recrutamento de novos talentos.

O volume de buscas por “diversidade na contratação” aumentou nos últimos 10 anos.


De acordo com o Manufacturing Institute (US), 64% dos fabricantes dizem que os esforços de diversidade e inclusão são o foco principal de suas empresas.

A Associação Nacional de Fabricantes e o Instituto de Manufatura Americano se uniram para criar um Compromisso de Ação destinado a melhorar a equidade e a paridade para as minorias que trabalham no setor.

A promessa afirma que os fabricantes realizarão 50.000 ações tangíveis voltadas para esse objetivo e criarão 300.000 caminhos para oportunidades de emprego para minorias até 2030.

As mulheres constituem um segmento da população sub-representado no setor manufatureiro. Menos de 1 em cada 3 profissionais de manufatura são mulheres. Além disso, as mulheres têm 1,8 vezes mais chances do que os homens de deixar seus empregos na indústria. As mulheres são um segmento da população que não está bem representado na manufatura.

Zippia, um site de busca de carreira, relata que pessoas de raças não-brancas também estão sub-representadas na indústria. Enquanto 68% dos trabalhadores são brancos, apenas 11% são hispânicos, 10% são negros e 6% são asiáticos.

A porcentagem de minorias que trabalham na manufatura não sofreu mudanças substanciais de 2010 a 2019.

Dow é uma empresa de manufatura que priorizou o DEI em seus esforços de contratação e retenção. A empresa lançou padrões de contratação inclusivos, diversas equipes de entrevistas e um programa de equivalência militar.

Os funcionários também são convidados a participar dos Grupos de Recursos para Funcionários, oferecidos para pessoas de várias raças, idades, deficiências e identidades sexuais. Mais de 18.500 funcionários participam de um desses grupos.

McCormick é outro fabricante que investiu em grupos de funcionários para promover a diversidade. McCormick foi reconhecido por seu compromisso com as prioridades do DEI. A empresa foi reconhecida na lista das 50 melhores empresas para a diversidade da DiversityInc desde 2016 e recebeu uma classificação de 90% no Índice de Igualdade Corporativa publicado pela Human Rights Campaign.

8. Fabricantes privados e agências governamentais impulsionam a indústria rumo à neutralidade do carbono

De acordo com dados da EPA, a manufatura e a indústria são responsáveis por 24% das emissões de gases de efeito estufa nos Estados Unidos.

Os dados da EPA mostram que a indústria e a manufatura são um dos principais contribuintes das emissões de gases de efeito estufa.

Em todo o mundo, a indústria emite um quinto de todas as emissões de carbono.

No Brasil, a indústria tem participação de cerca de 22% no PIB brasileiro (2022), e mesmo assim, os processos industriais são responsáveis por apenas por 6% das emissões nacionais de gases de efeito estufa.

Em meio a um impulso global em direção à sustentabilidade, mais de 20% das maiores empresas públicas do mundo já se comprometeram a zerar as emissões líquidas de carbono no futuro.

Foi pautada nesse objetivo, que surge no EUA, a LTSE, onde Eric Ries propôs uma Bolsa de Valores de Longo Prazo, entre outras ideias, em seu livro de 2011 The Lean Startup. A ideia era criar um novo tipo de bolsa de valores, destinada a negociar ações de empresas organizadas para sustentar o pensamento de longo prazo. Em 2015, ele começou a montá-lo sozinho. Desde o início, o LTSE se concentrou no suporte a empresas que priorizam o sucesso de longo prazo e uma abordagem das partes interessadas.

A mesma tendência pode ser observada na indústria manufatureira. Muitas empresas manufatureiras, juntamente com entidades governamentais, estão impulsionando o setor rumo à neutralidade de carbono.

O volume de buscas por “neutralidade de carbono” aumentou 755% nos últimos 5 anos, vide gráfico a seguir:


Adotar práticas sustentáveis pode trazer diversos benefícios para as empresas, de acordo com a EPA.

Construir a confiança do público, aumentar a eficiência reduzindo o desperdício e investir na viabilidade do negócio a longo prazo são apenas alguns dos benefícios.

Em 2018, a Dalmia Cement tornou-se a primeira empresa do setor de manufatura global a anunciar seu compromisso com a neutralidade de carbono.

O compromisso da Dalmia Cement com a sustentabilidade reduziu sua pegada de carbono para um nível 40% inferior ao de uma empresa média de cimento.

As metas da empresa incluem alcançar carbono líquido zero até 2040, operar com 100% de eletricidade renovável até 2030 e fazer uma transição significativa para veículos elétricos.

A Klöckner & Co, uma das maiores produtoras mundiais de aço e metal, tem como meta reduzir pela metade suas emissões até 2030. Em setembro de 2022, a empresa criou uma nova marca de aço e metal verde: Nexigen.

O volume de pesquisa por “aço verde” mostra um interesse crescente nos últimos 5 anos, vide gráfico a seguir:


De acordo com a classificação da Klöckner & Co, existem cinco níveis de aço que vão desde o START, que tem uma pegada de até 1.750 kg CO2 por tonelada métrica, até o PRIME, que tem uma pegada de não mais que 400 kg CO2 por tonelada métrica. A marca Nexigen classifica o aço verde para que os clientes possam ver a pegada de carbono do produto que compram. Até 2025, a empresa diz que 30% dos produtos Nexigen virão exclusivamente dos dois níveis mais sustentáveis.

Além dos esforços de empresas privadas, o governo dos EUA está canalizando recursos para o setor para ajudar na descarbonização. Em abril de 2021, o Departamento de Energia anunciou um programa que oferecia até US$ 22,5 milhões para projetos que reduzissem as emissões de manufatura e o uso de energia. Em fevereiro de 2022, a Casa Branca anunciou diversas iniciativas com o objetivo de sanear os processos industriais.

Isso incluiu a “Força-Tarefa de Compra Limpa”, que aumentará as compras federais de materiais de construção limpos de fábricas americanas e lançará uma política baseada em emissões que regularia o aço e o alumínio sujos.

9. Ataques cibernéticos causam tempo de inatividade e vazamentos de informações

No X-Force Threat Intelligence Index da IBM, a manufatura foi classificada como o setor que mais sofreu ataques cibernéticos no ano passado.

Volume de pesquisa para “fabricação de segurança cibernética” aumentou em 1800% nos últimos 10 anos, vide gráfico a seguir:


A pesquisa da IBM mostrou que foi a primeira vez em cinco anos que os ataques contra fabricantes ultrapassaram os ataques contra instituições financeiras. A IBM relata que a manufatura foi o setor mais atacado em 2021. A PwC relata que 49% dos fabricantes listam os riscos de segurança cibernética como um dos maiores desafios que suas empresas enfrentarão nos próximos dois anos.

Os riscos de segurança cibernética e o gerenciamento da cadeia de suprimentos lideraram a lista dos principais desafios para os fabricantes em 2021. As organizações de manufatura são alvos especialmente atraentes para os hackers por causa da baixa tolerância da indústria para o tempo de inatividade, de acordo com especialistas em TI.

Após os problemas da cadeia de suprimentos do COVID-19, os cibercriminosos têm capitalizado os problemas existentes da cadeia de suprimentos para prejudicar os negócios que já estão enfrentando dificuldades. E, agora que a Indústria 4.0 está assumindo o controle, os fabricantes estão ainda mais vulneráveis a ataques. Os cibercriminosos podem atacar software, firmware ou hardware.

De acordo com o X-Force Threat Intelligence Index da IBM, 23% dos ataques contra o setor em 2021 vieram na forma de ransomware. Em março de 2022, um grupo de ransomware atacou a Denso Corporation, uma grande fabricante de peças automotivas que fornece para empresas como Toyota, Mercedes-Benz e Ford.

Os hackers vazaram informações roubadas sobre a Toyota. Isso incluiu e-mails, desenhos técnicos, ordens de compra e outras informações no valor de 14 terabytes de dados Pandora, o grupo de ransomware, anunciou o ataque em seu portal de vazamento.

A Nvidia, grande fabricante de chips e unidades de processamento gráfico, foi atacada em fevereiro de 2022.

Um grupo de ransomware chamado Lapsus$ reivindicou a responsabilidade pelo ataque, que vazou esquemas, drivers, firmware e credenciais de funcionários da Nvidia.

Diante desses riscos crescentes de segurança cibernética, mais de 50 organizações se uniram em 2020 para formar o Cybersecurity Manufacturing Innovation Institute (CyManII).

O volume de pesquisa para “tecnologia de segurança cibernética” continua a crescer, vide gráfico a seguir:


A Universidade do Texas em San Antonio é a sede oficial dessa parceria público-privada de US$ 111 milhões. O Departamento de Energia também desempenha um papel crítico.

Em fevereiro de 2022, a organização anunciou a construção do Texas Manufacturing x Transformation Hub. O objetivo deste hub é treinar 1 milhão de trabalhadores de manufatura para a preparação de segurança cibernética até 2026.

10. A manufatura aditiva torna-se popular

Embora a impressão 3D, também conhecida como manufatura aditiva, costumava ser um experimento para a maioria dos fabricantes, agora é um método legítimo de economia de custos que é usado para uma variedade de tarefas.

O volume de pesquisa para impressão 3D continua a crescer, vide gráfico a seguir:


Os fabricantes de diversos segmentos hoje podem usar a impressão 3D para imprimir peças internamente e se antecipar aos atrasos na cadeia de suprimentos.

Eles também podem trazer a produção de gabaritos e acessórios internamente, economizando tempo e dinheiro. Produção de pequenas tiragens, moldagem e fundição de metal também são possíveis.

Em 2019 a Universidade do Maine acabou de estabelecer três recordes mundiais de uma só vez. Usando o maior protótipo de impressora 3D de polímero do mundo, uma equipe da UMaine construiu o maior barco impresso em 3D do mundo, que também era o maior objeto sólido impresso em 3D do mundo.

Já na manufatura de metal, outro belo exemplo é da  Pankl Racing Systems, fabricante de sistemas mecânicos para carros e aviões, que usou a impressão 3D para gabaritos personalizados. O processo foi 48x mais rápido e 12x mais barato do que os gabaritos usinados em CNC.

Fica cada vez mais claro que a impressão 3D está se tornando especialmente popular na indústria de fabricação de metal, e veremos o crescimento desse mercado acontecer a taxas cada vez maiores nos próximos anos. Na verdade, espera-se que o mercado de impressão 3D de metal cresça a uma CAGR de 19,5% até 2028, aumentando em valor total para US$ 11,6 bilhões.

A Mantle é uma startup que oferece impressoras 3D para eliminar ou reduzir drasticamente o tempo e o dinheiro gasto na fabricação de ferramentas de aço. Sua tecnologia leva a uma redução de 80% no prazo de entrega e uma redução de 50% no custo, de acordo com seu site. A Mantle usa a impressão 3D para atender aos requisitos extremamente precisos em relação ao acabamento superficial, tolerância à temperatura e durabilidade do material no setor de ferramentas.

A manufatura aditiva também está se tornando uma forma inovadora e eficiente de produzir produtos únicos, e diria que será um dos precursores da próxima onda da indústria 5.0 quando falamos de Personalização em Massa.

A Limber Prosthetics and Orthotics em San Diego escaneia digitalmente os membros de um amputado e, em seguida, usa a impressão 3D para fabricar membros artificiais internamente em apenas algumas horas. O custo é inferior a um décimo do custo de membros artificiais tradicionais. Veja aqui a impressão 3D de uma perna protética da Limber Prosthetics.

Capacetes de ciclistas e motociclistas personalizados, feitos para caber perfeitamente na cabeça do motociclista, também estão sendo fabricados por meio de impressão 3D.

A Kav fabrica capacetes de ciclismo premiados que são 25% mais resistentes a impactos do que os padrões de segurança atuais. A Kav é capaz de imprimir milhares de capacetes personalizados por mês com sua tecnologia 3D. Além de maior segurança, esses capacetes são criados com um polímero patenteado de poliuretano termoplástico (TPU) e fibra de carbono. É 20% mais leve que os materiais tradicionais e mantém sua resistência em temperaturas de -30°C e até 70°C.

Considerando tudo isso, observa-se que a sobreposição de IOT, da computação em nuvem, da análise avançada de dados (Big Data) e da automação preparou o cenário para tendências como manutenção preditiva, gêmeos digitais e automação inteligente em todos os níveis para decolar em 2023. Juntos, todos esses componentes se somam às megatendências da fabricarão inteligente nessa nova década.

Além da inovação técnica, as pressões relacionadas às considerações da cadeia de suprimentos têm sido catalisadores de mudança igualmente importantes cada vez maiores, desencadeando mudanças marcantes no design da cadeia de suprimentos, globalização e novos modelos de produção, como das microfábricas.

No Brasil caminhamos a passos lentos ainda, porém na medida que quanto mais esse assunto vem a tona, mais pessoas acabam se mobilizando e aderindo a esse movimento.

Algumas estratégias eficazes, podem passar por:

·       Iniciar a digitalização com a utilização de tecnologias emergentes para coleta de dados do mundo físico criando os gêmeos digitais, afim de que sejam dados os primeiros passos na jornada 4.0.

·      Capacitar os trabalhadores para uso de dispositivos digitais, endossando uma abordagem centrada no ser humano para a experiência com a tecnologia.

·       Construir caminhos de transição para usos ambientalmente sustentáveis da tecnologia.

·   Apresentar indicadores que mostram, "para cada ecossistema industrial", o progresso alcançado no caminho para o bem-estar, resiliência e sustentabilidade geral (pilares da indústria 5.0).

Adaptado de Roger Medke - Fev 2023

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Americanas usava VPC para fraudar o balanço

O passar do tempo está deixando mais claros os caminhos do rombo bilionário identificado no balanço da Americanas (AMER3), segundo apurações contratadas pela própria empresa e divulgadas em relatório nesta terça-feira. Até então a explicação para o rombo girava em torno do risco sacado, termo que era pouco conhecido para quem é de fora do varejo e que praticamente entrou no vocabulário popular desde janeiro deste ano.


Nesta terça-feira entrou em cena outro instrumento conhecido do setor: verba de propaganda cooperada (VPC). E a VPC é ainda mais relevante do que o risco sacado do ponto de vista das investigações, segundo apontou a Americanas.

Em documento publicado nesta manhã, a empresa divulgou que demitiu cinco diretores e que um relatório preliminar apontou que as demonstrações financeiras vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior. As investigações preliminares indicam a participação do ex-CEO Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes . “O conselho de administração orientou a companhia e os assessores a apresentar o relatório a todas as autoridades competentes e avaliar as medidas visando ao ressarcimento dos danos causados pela fraude em suas demonstrações financeiras", diz o fato relevante.

O relatório foi produzido por uma equipe de assessores jurídicos à parte do comitê independente formado no fim de janeiro. Os achados preliminares do comitê — composto por Otávio Yazbek, Vanessa Lopes, o escritório Maeda, Ayres & Sarubbi e da empresa de auditoria EY — serviram como base para o relatório e as conclusões dos assessores jurídicos da Americanas.

Foi o comitê independente quem primeiro apontou os problemas quanto aos registros de VPC. O trabalho do grupo independente, no entanto, ainda não está concluído e ainda não há sinalização de que um prazo final se aproxime. Pessoas próximas à investigação do comitê afirmam que as linhas de investigação ainda podem indicar novas fraudes e ainda devem seguir pela linha de identificação de responsabilidades. O entendimento é de que a divulgação de hoje da empresa vem como resposta para a CPI na Câmara de Deputados também coloca mais pressão sobre o comitê do ponto de vista de velocidade para os resultados.

Por que os registros de VPC são o ponto crucial da fraude?

Verba de propaganda cooperada é um instrumento comum no varejo. Quando a varejista, como a Americanas, anuncia um forno ou uma geladeira de uma marca em seu anúncio na televisão, por exemplo, ela está prestando um serviço de publicidade para o fabricante.

Segundo as investigações e os achados preliminares do comitê, a antiga diretoria da Americanas lançava registros de VPC de ações de marketing que nunca foram realizadas. Ou seja, reduzia substancialmente a conta de fornecedores com lançamentos inflados de VPC. Esses lançamentos, feitos durante um “significativo período”, atingiram, em números preliminares e não auditados, R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022. Contrapartidas contábeis desses contratos foram lançadas como redutores da conta de fornecedores, num valor de R$ 17,7 bilhões (números ainda não auditados). A diferença de R$ 4 bilhões teve como contrapartidas lançamentos contábeis em outras contas do ativo da Americanas.

Executivos do setor ouvidos pela EXAME Invest explicam que essa verba costuma custear em parte ou totalmente a campanha. Esse valor é lançado como redução de despesa ou, mais comumente, lançado como receita no lucro bruto. Mas não deve ser lançada como redução da conta de fornecedores. O xis da questão é que essas verbas não chegam a 4% da receita de uma varejista. Por isso, se lançado no contas a receber esse valor chamaria muita atenção, explica um executivo do setor varejista. Ou seja, no passivo de fornecedores, esse valor ficava mais “escondido”.

Somado a isso, para gerar o caixa necessário para a continuidade das operações, a ex-diretoria contratou uma série de financiamentos com bancos dos quais a companhia é devedora — isso, sem as devidas aprovações societárias, segundo a Americanas divulgou em documento desta terça-feira. É aí que entra o risco sacado.

Todas essas linhas de financiamento foram contabilizadas de forma inadequada, segundo o documento, no balanço de 30 de setembro de 2022 na conta de fornecedores, da seguinte forma: operações de financiamento de compras (risco sacado, forfait ou confirming) de R$ 18,4 bilhões e operações de financiamento de capital de giro de R$ 2,2 bilhões.

Essa manobra, explica o documento, não permitiu a correta determinação do grau de endividamento da companhia ao longo do tempo. Também foram identificados lançamentos redutores da conta de fornecedores oriundos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter transitado pelo resultado da companhia, na linha do custo de dívida. Esses lançamentos totalizaram R$ 3,6 bilhões de acordo com os números preliminares.

Compartilhado do Portal Exame.com Jun/23