Indicadores
mostram que a economia está dando os primeiros passos rumo à retomada do
crescimento. Mas nada de euforia: a reação será sensível à política
Fábrica da Nissan, em Resende (RJ): chegou a hora de operar em dois
turnos (Germano Lüders/Revista EXAME)
São Paulo – O Brasil está consumando neste
momento mais uma de suas viradas históricas na economia. Ela foi iniciada após dois anos completos
de uma queda incessante, quando bancos pararam de emprestar dinheiro, famílias
cortaram o consumo, empresas frearam investimentos e o produto interno bruto
encolheu mais de 7%.
Foi um período em que Brasília não deu trégua, com uma
crise política atrás da outra, levando ao impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff e à denúncia por corrupção de seu sucessor, Michel Temer.
O período também foi marcado pela piora das condições
fiscais, com a dívida pública enveredando por uma trajetória insustentável.
Infelizmente, esses problemas continuam sem solução definitiva. O presidente
Temer, depois de escapar de um processo de investigação, perdeu boa parte do
apoio de parlamentares.
O governo até agora não conseguiu passar no Congresso
a tão prometida reforma da Previdência, para controlar os gastos públicos, e em
agosto ainda anunciou a elevação de 20 bilhões de reais na meta fiscal de 2017,
para um déficit de 159 bilhões, um sinal da dificuldade de equilibrar as
contas.
Em meio a tudo isso, não seria surpresa se a economia
continuasse a afundar. Mas ela dá os primeiros passos rumo à retomada do
crescimento — a média das projeções dos analistas é de 0,3% de avanço do PIB
neste ano e de 2% em 2018.
O que
está, de fato, acontecendo? Até que ponto a reação vem para valer? Para os
estudiosos, a recuperação que o Brasil está vivendo ocorre tipicamente após o
estouro de uma bolha na economia. No nosso caso, foi a bolha de consumo e
investimentos gerada pela concessão de crédito subsidiado e pelo controle
artificial da inflação, entre outras tantas distorções que
perduraram no país durante o segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e nos
mandatos de Dilma Rousseff.
“Essa retomada só ocorre porque a equipe técnica do
governo atual tem conduzido a política econômica na direção correta e, com
isso, as expectativas são de que uma hora a situação vai melhorar”, diz o
economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e colunista
de EXAME.
Ou seja: a confiança num futuro melhor está fazendo a
economia começar a andar. “Há preocupações temporárias sobre a capacidade de o
cenário político desacelerar as coisas, mas não há dúvida de que a economia
brasileira vai continuar a se recuperar no longo prazo”, afirma Mark Mobius,
presidente do grupo de mercados emergentes da gestora de fundos americana
Franklin Templeton.
Com a esperança de que o país está, aos trancos e
barrancos, num bom caminho, o aquecimento nas atividades vai se disseminando.
Nos três primeiros meses do ano, o PIB cresceu
1% (após oito trimestres seguidos de queda), influenciado principalmente pela
força da agropecuária.
Os resultados oficiais do segundo trimestre só serão
divulgados no início de setembro, mas as projeções já indicam um aumento de
0,25%. Pode parecer que haja uma piora da situação, mas o que ocorre é que a
agropecuária não contribui tanto no período de abril a junho, porque o auge da
safra se dá no início do ano.
O que
puxará o resultado do segundo trimestre são os demais setores, e é aí que
reside outra boa notícia. Em junho, na comparação com março, a produção
industrial cresceu 2,5%; a prestação de serviços, 3,1%; e as vendas no varejo,
3,7%. Para a indústria,
foi o primeiro semestre de alta, após três seguidos de queda.
Os serviços e o varejo crescem há três meses sem
parar. Algumas consultorias, como a LCA, já revisaram as projeções da variação
do PIB no ano para até 1% em 2017, acima da média de 0,3%. Num painel mais
completo, o banco Itaú aponta que 25 dos 48 indicadores acompanhados estão no
campo positivo — em setembro de 2015, com a crise aguda, apenas 15 indicadores
eram positivos.
Para alguns setores, o pior da crise já está ficando
bem para trás. Um levantamento da consultoria Tendências com 30 indicadores
econômicos mostra quanto muitos deles já melhoraram desde o ponto que foi
considerado o fundo do poço em cada área.
As concessões de crédito pessoal foram as que mais
avançaram, com alta de 37% desde outubro de 2016. O índice de confiança do
consumidor está há 15 meses em recuperação e já subiu 26% de lá para cá. “Esses
dados indicam que há combustível para que a retomada se intensifique nos
próximos meses”, diz Adriano Pitoli, economista da Tendências.
Mas é bom deixar algo claro sobre essa retomada: ela é
lenta e gradual. A destruição na economia foi tamanha que vai levar tempo para
o país conseguir alcançar o patamar pré-crise. Dados da Tendências mostram que
as vendas de imóveis caíram 46% desde 2014, e a expectativa é de uma alta de
apenas 25% até 2018. A produção de bens de capital, abatida por uma queda de
39% de 2014 a 2016, deverá subir 14% até o fim do próximo ano.
O mercado de automóveis, que diminuiu as vendas em 40%
desde 2013, subirá 37% até 2018, mesmo assim chegando a um ponto ainda 18%
inferior ao de cinco anos antes. Num exemplo da retomada, a montadora japonesa
Nissan começou em julho a operar o segundo turno em sua fábrica de Resende, no
Rio de Janeiro. A empresa contratou mais 600 funcionários, ampliando o quadro
para 2 100.
A decisão reflete a melhora do mercado: de janeiro a
12 de agosto deste ano, foram vendidos 8 100 carros por dia no país, ante à
média de 7 800 unidades no mesmo período do ano passado, uma alta de 4%. A
fábrica da Nissan, resultado de um investimento de 2,6 bilhões de reais,
começou a operar em 2014, mas, com a queda do mercado, só recentemente
conseguiu atingir 65% de sua capacidade de produção.
Com o novo turno, subirá para 80% do potencial
de produção de 200 000 veículos por ano. “Dado o ritmo lento da economia,
prevemos chegar à plena capacidade daqui a três anos”, diz Marco Silva,
presidente da Nissan Brasil.
Não adianta ter pressa
quanto à retomada. Os investimentos, que caíram de 21% para 16% do produto
interno bruto nos últimos quatro anos, vão demorar para reagir. A ociosidade da
indústria está em 25% da capacidade produtiva, acima da média histórica de 20%
—mas já melhor do que os 28% de janeiro de 2016. Isso significa que, antes de
construir outra fábrica, as empresas vão colocar as já construí-das para
funcionar plenamente.
O setor de construção pesada continua com muitas obras
paralisadas, e novos projetos devem seguir devagar. Um levantamento da
consultoria Neoway revela que 22% das obras em andamento no país, previstas
para ficar prontas de 2017 a 2022, estão suspensas.
O total de investimento nos projetos parados é de 30
bilhões de reais. Os entraves políticos postergaram para o ano que vem novas
concessões no programa federal, como a da Ferrovia Norte-Sul. Grandes estatais,
como a Petrobras e a Eletrobras, que poderiam fazer mais investimentos, estão
com ativos à venda para colocar os balanços em ordem.
Também é preciso considerar que a recuperação é
sensível ao cenário fiscal — que, por sua vez, depende dos ventos da política.
Os investidores estão acreditando no esforço do governo para controlar suas
contas e, por enquanto, continuam apostando no país.
Nem mesmo a mudança da meta fiscal foi capaz de
reverter a percepção dos investidores — o governo está prometendo um superávit
somente em 2021, sendo que antes a projeção era chegar ao azul em 2020. A
leitura que tem sido feita é a de que a meta foi prejudicada pela queda das
receitas, não por um descontrole nas despesas.
Quem investe também se sente mais confortável com o
fato de o país ter uma amarra constitucional: a regra do teto de gastos, que
limita o aumento das despesas da União de acordo com a inflação do ano
anterior. Mas a tolerância dos investidores está atrelada à aprovação de outras
reformas.
A agência de classificação de risco Standard &
Poor’s removeu neste mês a observação negativa da nota brasileira de longo
prazo graças à estabilização da economia e ao fato de o presidente ter escapado
da denúncia de corrupção. No entanto, a agência ressalta que os riscos fiscais
continuam.
De acordo com a S&P, estamos num nível de
endividamento acima de países que têm a mesma nota de crédito, como a Colômbia,
cuja dívida pública líquida está em 37% do PIB, ante 60% no caso do Brasil.
“Claramente, elevar a meta de déficit não foi um bom sinal, mas compreendemos
que a situação política no país é complicada”, diz Roberto Sifon-Arevalo,
diretor de ratings soberanos para as Américas da S&P. “O que estamos
aguardando nos próximos meses é a aprovação de uma reforma da Previdência que
imponha realmente uma mudança significativa na trajetória dos gastos.”
No que diz respeito à sensibilidade ao cenário
político, as eleições de 2018 começam a ganhar mais peso para as projeções.
Segundo os analistas, um candidato populista, sem comprometimento com as
reformas e com o ajuste fiscal, poderia elevar a percepção de risco do país e
desorganizar a economia.
“A percepção dos investidores é de que tudo dará certo
do ponto de vista fiscal e, enquanto isso, a economia continua numa recuperação
tímida”, diz o economista Celso Toledo, sócio da consultoria LCA e colunista de
EXAME. “Mas o risco de dar algo errado nas eleições é relevante, mesmo que não
preponderante.”
A base do leve crescimento em curso tem surpreendido
os economistas: é, novamente, o consumo, assim como ocorreu após a crise de
2008. Quando se iniciou a turbulência atual, acreditava-se que a retomada viria
dos investimentos, uma vez que o endividamento das famílias estava em níveis
altos.
Mas um conjunto de fatores, entre eles a inflação em
queda, que traz um alívio nas contas domésticas, e a redução da taxa de juro
básico da economia, que deixa o crédito mais barato, está animando as famílias.
Sem contar os 43 bilhões de reais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
liberados pelo governo para os trabalhadores.
Para ter uma noção do ganho da renda nos últimos
tempos, o salário mínimo em dólares teve um aumento real de 10% de um ano para
cá e de 51% desde o seu ponto mais fundo durante a crise, atingido em setembro
de 2015. “A recessão se prolongou tanto que acabou dando tempo para as famílias
diminuírem seu endividamento ao nível de quatro anos atrás, voltando a consumir
ou a contrair novos empréstimos”, diz Fernando Honorato, economista-chefe do
banco Bradesco.
Como num efeito cascata, as famílias voltam a comprar
e o varejo reage. Os shoppings já estão sentindo um aumento no fluxo de
clientes e, neste ano, aqueles que abriram as portas até 2012, os
empreen-dimentos mais consolidados no mercado, conseguiram preencher 410 lojas
que estavam vazias — embora 5 800 ainda estejam desocupadas, numa indicação de
que há muito a ser feito, segundo dados do instituto Ibope Inteligência. Tudo
isso faz melhorar a situação das empresas do setor.
A administradora mineira Tenco, que opera 15
shoppings, abriu cinco centros de compras desde o final de 2015 e viu aumentar
em 30% o número de novas lojas ocupadas nesses empreendimentos no segundo
trimestre de 2017, ante o mesmo período do ano anterior. Nos shoppings mais
antigos, por sua vez, a empresa identificou que a taxa de inadimplência do
aluguel caiu de 18% das lojas para 13% desde o fim do ano passado. “Há uma
melhora constante em nossos resultados, ainda que tímida”, diz Eduardo Gribel,
presidente da Tenco
Quando o comércio começa uma recuperação, também a
indústria passa a produzir mais para atender as lojas e, com isso, os serviços
acabam se movimentando. O Brasil já tem mais caminhões nas estradas e mais
armazéns ocupados. Dados da consultoria Colliers mostram que, entre devoluções
e novos aluguéis de galpões em condomínios logísticos, após o primeiro
trimestre do ano ter sido de redução da área ocupada, houve uma reversão para
um saldo positivo de 185.000 metros quadrados nos três meses seguintes, uma
demonstração de que as indústrias estão precisando de mais espaço para
armazenar produtos a caminho da distribuição.
O desemprego, que chegou a 13,8% da população em
condições de trabalhar em março, recuou para 12,6% no final de junho. O impulso
mais forte por enquanto tem sido na criação de vagas informais, algo típico de
momentos de retomada, uma vez que sobem os “bicos” e os serviços por conta
própria.
Mas os dados oficiais mostram também que, depois da
destruição de 2,9 milhões de empregos formais nos últimos dois anos, foram
criadas 112.580 vagas em 2017 — enfim, um saldo positivo. “Um aspecto dessa
retomada é que a indústria está contratando, e ela tende a ter níveis de
formalidade e de salários maiores”, diz o economista Bruno Ottoni, da Fundação
Getulio Vargas.
A Fras-Le, empresa de autopeças do grupo gaúcho
Randon, teve um aumento de 7% nas receitas líquidas com as vendas no mercado
interno no primeiro semestre, ante o mesmo período do ano passado. Isso deu
confiança para a companhia contratar 120 pessoas, aumentando o contingente para
3 148 funcionários. “Num primeiro momento da retomada, nós elevamos o pagamento
de horas extras para os funcionários”, diz Sergio Carvalho, presidente da
Fras-Le. “Mais confiantes de que as vendas continuarão elevadas, decidimos
então aumentar o quadro de pessoal.”
O exemplo da Fras-Le ilustra como, após o sufoco, aos
poucos as empresas vão conseguindo respirar aliviadas. Dados do anuário
melhores e maiores 2017, de EXAME, mostram que o faturamento das 500 maiores
companhias do país caiu 8% em 2016, para 809 milhões de dólares, mas elas
fizeram um verdadeiro malabarismo e conseguiram sair do prejuízo conjunto de 24
bilhões de dólares, em 2015, para um lucro de 32,5 bilhões, no ano passado.
De acordo com um levantamento do banco Itaú com cerca
de 400 empresas, excluindo as instituições financeiras, a relação da dívida
líquida com o lucro operacional caiu de 5 vezes em 2015 para 2,5 no início do
ano e deverá chegar a 2 vezes em 2018. “A queda é explicada tanto pela redução
do endividamento quanto pela melhora das margens das empresas”, diz Artur
Manoel Passos, economista do Itaú. “Elas fizeram ajustes operacionais que
diminuíram custos e conseguiram elevar as receitas com a recuperação gradual da
economia.”
Na premiação das melhores empresas, realizada no dia 7
de agosto em São Paulo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse: “Há
evidências suficientes para perceber que a recessão já ficou para trás, não é
apenas objeto de desejo ou de observação superficial. No segundo semestre, os
indicadores vão apresentar melhora ainda mais substancial”. No grupo das
melhores empresas do país, o faturamento está aumentando neste ano.
A rede de farmácias RaiaDrogasil, a Empresa do Ano de
melhores e maiores, obteve crescimento de 16% na receita no segundo
trimestre, ante o mesmo período de 2016. No caso do frigorífico Minerva, o
campeão na categoria agronegócio, o faturamento cresceu 17% no segundo
trimestre deste ano, para 2,7 bilhões de reais, o melhor trimestre da história
da companhia, fundada em 1992. “No mercado interno, as vendas no primeiro
semestre cresceram 7%”, diz Fernando Galletti de Queiroz, presidente da Minerva
Foods. “Nos últimos 60 dias, contratamos 1 100 funcionários, reafirmando nossa
crença na retomada da economia.”
Enquanto o mercado interno inicia uma reação, uma boa
opção encontrada pelas empresas tem sido turbinar as exportações. As vendas ao
exterior cresceram 18% de janeiro a julho, ante o mesmo período do ano passado.
A fabricante de máquinas Caterpillar, prejudicada pela paralisia de grandes
obras, mirou os clientes lá fora.
A empresa, que investiu meio bilhão de reais de 2011 a
2016, fez adaptações na fábrica de Piracicaba, no interior paulista, e na de
Campo Largo, no Paraná, para vender mais para outros países — hoje, a unidade
brasileira da multinacional tem a maior diversidade de produtos no mundo.
“Devemos encerrar o ano com alta de até 60% nos embarques, na comparação com
2016”, diz Odair Renosto, presidente da Caterpillar. A empresa demitiu 650
empregados na crise nas duas fábricas. Neste novo momento, já contratou 500
trabalhadores desde janeiro e deverá admitir mais 500 até o final do ano.
A semelhança dessa retomada com a de 2008 só se dá
mesmo pelo fato de vir com o impulso do consumo. De resto, há muitas
diferenças. O crescimento de agora — ainda modesto — é tido pela maioria dos
economistas como mais sustentável. Não estão sendo usados artifícios para as
atividades voltarem a crescer. Não há uma bolha sendo formada. O crédito de
bancos públicos, que foi anabolizado no passado, caiu 2 pontos em proporção ao
PIB desde o fim de 2015, embora ainda esteja num patamar superior ao dos bancos
privados.
O Congresso está prestes a votar uma nova taxa de juro
para os empréstimos do BNDES, de forma que os subsídios caiam e que não haja
mais prejuízo ao Tesouro Nacional com essas operações. Em outra evidência
auspiciosa, a inflação está caindo devido à ação da política monetária, e não
porque os preços administrados estão sendo controlados pelo governo, como
ocorreu no passado. As decisões levam em conta as condições das contas públicas
e a trajetória da dívida. “O conjunto de políticas que estão sendo adotadas é
mais correto do que o de 2008”, diz Sergio Vale, economista-chefe da
consultoria MB Associados. “Essas medidas, juntamente com as reformas que estão
sendo estruturadas, vão dar uma base melhor para a recuperação.”
Se a turbulência política não atrapalhar a
trajetória, será completado um primeiro passo importante para melhorar a vida
das famílias e das empresas. Afinal, o Brasil apenas começou a correr atrás do
prejuízo que a crise causou — e vai precisar fazer muito mais depois disso.
Fonte: Revista Exame Outubro de 2017
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